paishabilitar/ Julho 24, 2019/ Diário de Aveiro, opinião inclusiva

Entre uma Silly Season e outra

Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro

Como muitos encarregados de educação, cumpri hoje o ritual sazonal da recepção de informações finais sobre o “desempenho formativo” da minha filha. Até aqui nada de novo, acontece todos os anos e marca o início oficial da nossa Silly Season familiar!

A minha situação como encarregada de educação é que tem algumas particularidades. A minha educanda não é uma criança, nem uma adolescente, mas sim uma jovem adulta com dificuldades de aprendizagem. O seu percurso escolar só pontualmente foi feliz e gratificante; quase sempre foi doloroso e profundamente frustrante. Actualmente está a receber formação orientada para a capacitação profissional. Em vez de uma abordagem mono-temática, quase estanque entre disciplinas, pratica-se uma intervenção coordenada e transversal, orientada para o grande objectivo do desenvolvimento pessoal. As reuniões de avaliação são conversas em que se partilham perspectivas responsabilidades e se desenham, com simplicidade e pragmatismo, pequenas mas praticáveis estratégias de melhoria. Não pensem que vivo na fantasia de que o sistema é perfeito, os resultados são milagrosos, a felicidade da minha filha está garantida e as minhas preocupações de mãe acabaram definitivamente. O que me marca profundamente e mais tem contribuído para a regeneração da minha relação com “a escola” da minha filha é a eficiência da comunicação. Sinto que contamos uns com os outros, falamos de olhos-nos-olhos, sem que melindres ou mal-entendidos nos desfoquem dos objectivos.

Sou mãe mas também professora. Este duplo estatuto torna-me particularmente sensível ao valor absolutamente vital da comunicação entre professores, encarregados de educação e, no caso de alunos para as quais é necessário personalizar estratégias, técnicos preparados para dar essa ajuda. O que acontece é que nesta “troika” de pais-professores-técnicos, raramente se fala uma só língua. Olhando para trás, reconheço que muitas vezes, no papel de mãe ou de professora, acabei perdida na tradução. Quando tentei explicar que algumas tarefas eram inacessíveis à minha filha, o veredicto foi “que estude mais”. Quando lembrava as medidas do seu plano individual, o diagnóstico foi “mãe fura-vidas à procura do sucesso a todo o custo”.

Uma vez explodi numa reunião com o director da escola e a coordenadora de ensino especial.

A resposta à pergunta “Será que finalmente me entendem?” foi sarcástica: “Claro, está a falar com uma professora de ensino especial”. Quem errou na tradução?

Também como professora vivo nesta Babel, com medo de ser apanhada em situações que não estou preparada para resolver e de que as minhas bem-intencionadas acções possam ser alvo de má tradução: excessiva benevolência, displicência ou simples incompetência. É um balanço difícil, este de falarmos a mesma língua, nos aceitarmos como facilitadores da vida e do trabalho uns dos outros e, sobretudo, nos envolvermos activamente na promoção do desenvolvimento e bem-estar das crianças e jovens na escola. Mas se não o fizermos, mesquinho e irresponsável (silly, mesmo!) é o modo como desperdiçamos o tempo entre uma Silly Season e outra!

Ângela Cunha

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