Paishabilitar/ Novembro 23, 2021/ Uncategorized

Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver

Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro

Fico acordada a pensar em segredo, filho. Dormes, e eu penso em segredo, eu e a minha insónia inquieta.

Imaginei um mundo para ti. Não eras da minoria dos meninos desatentos e disléxicos, não eras dos cinco por cento, mas dos outros noventa e cinco, apesar de desatento e disléxico. Por isso não estávamos tão sozinhos. Não revia diariamente com o teu pai o que fizemos mal, ou o que não fizemos. Não me lembrava do desalento do Infantário, quando falavas mal, corrias sem rumo ou gritavas por coisa nenhuma. Não me lembrava dos olhares reprovadores, dos julgamentos da nossa incapacidade de educar. Porque eras como quase todos e ninguém julgava o que também vivia. E não lamentava não estares nos quadros de mérito porque, a existirem, premiariam a bondade. Os teus professores não estranhavam, porque no seu curso tinham aprendido que a maioria das crianças seria assim. E vinham carregados de formas de ultrapassar o teu problema, que afinal era o de quase todos. No ensino à distância não tínhamos tido um choque ao teu lado, porque todos estavam tão atrapalhados… pareciam motores sem força, mas eram tantos, não apenas tu. E nas avaliações não vínhamos derrotados porque afinal eras dos noventa e cinco por cento que trabalhavam o dobro para metade dos resultados. Os teus erros, tantos erros, não tinham traços vermelhos, mas antes uma tinta que os tornava invisíveis, para que os esquecesses. As tuas fichas não diziam que tinhas tido ajuda, porque isso era o habitual, e não havia tempo para escrever em tantas fichas de tantos meninos …  o tempo era gasto no enorme desafio que quase todos eram.

Eu sei, filho, és dos cinco por cento. Vou tentar adormecer estes pensamentos. E claro que jamais desejaria que os meninos com dificuldades fossem a maioria. Só queria que fosses mais compreendido. Não queria que fosses alvo de tantas críticas e angústias. Não desejava para nós fins de tarde de desespero. Gostava que todos vissem o teu esforço… e que jamais falassem de pouco empenho ou opinassem sem saber. Olha, só queria que todos soubessem mais sobre isto, que fosse um dos tópicos na ordem do dia. E não, não queria ser eu a reivindicar os teus direitos a mais. Gostava mesmo que a tua história fosse uma disciplina obrigatória… a sério, devia ser uma disciplina obrigatória, era mais fácil para todos, ou menos penoso, para ti e para nós, mas principalmente para ti.

APAH
*Se todos fossem iguais a você
Vinicius de Moraes

Crónica Inclusiva

Share this Post