paishabilitar/ Abril 19, 2021/ Uncategorized

O conhecimento, os recursos e o plano 

Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro

Convidaram-me para escrever uma “crónica inclusiva”, da série que a Associação Pais e Amigos Habilitar tem vindo a publicar neste jornal. Fui ler, e reler, algumas das anteriores. O leitor poderá também encontrá-las, como eu fiz, a todas, no site do Habilitar. São testemunhos de profissionais de saúde, familiares, amigos, num registo informal, por vezes intimista. Conheço algumas dessas pessoas. Familiares, crianças e jovens que o Habilitar procura apoiar. Conheço as suas dificuldades e a sua serena, mas sofrida, obstinação na busca de respostas e de caminhos. Profissionais de saúde, determinados no tratamento e na intervenção com esses jovens. Calejados pela escassez de recursos e pelos obstáculos na organização dos que existem.

O leitor encontrará nessas crónicas aspetos pedagógicos, vindos de quem estuda os temas e de quem vive com as dificuldades. Não procuram destacar a diferença dos que pretendem ajudar; afirmam apenas, naturalmente, que o que entendemos como normal depende do que definimos como normalidade, e que esse exercício varia com a amplitude do nosso conhecimento. Afirmam que limitações, défices, deficiências, sintomas e todas as outras palavras que usamos quando falamos em incapacidade têm um valor absoluto, definido pela restrição da liberdade que impõem a quem a possui, mas que têm também um valor relativo, tantas vezes muito maior, imposto pela sociedade em que essas crianças e jovens vivem. Que é como quem diz, imposto por todos nós, e por cada um de nós.

As “crónicas inclusivas” do Habilitar podem suscitar no leitor um sentimento de desconforto, de quem é lembrado de que existem doenças e perturbações do neurodesenvolvimento que afetam as crianças e jovens. Nas passagens em que se fala da dificuldade de acesso a terapias específicas, ou no problema da transição dos serviços de crianças para os de adultos. No desconhecimento que ainda existe, mesmo entre profissionais, relativamente às perturbações do neurodesenvolvimento e na carência de respostas comunitárias para a integração social e laboral dos que por elas são afetados. Os filhos de alguém que conhecemos. Ou os nossos filhos.

O leitor poderá empatizar, até simpatizar, com os casos e as situações descritas. E pensar com os seus botões como deveria haver mais apoios, e mais investimento. Poderá lembrar-se de alguma notícia ou testemunho sobre o que se faz noutros sítios, “lá fora”, “no estrangeiro”, terminando com o suspiro de quem constata que por cá é sempre tudo tão difícil. 

Se assim for, caro leitor, permita-me fazer novamente a sugestão, desta vez mais explícita, é certo, de consultar o site do Habilitar, em paishabilitar.pt. Pense que o que os outros países, mais desenvolvidos do que o nosso, têm a mais, para além de recursos – haverá sempre quem tenha mais dinheiro do que nós – é literacia dos seus cidadãos: conhecer os problemas e saber em que consistem. E a literacia, só por si, acredite, faz coisas extraordinárias. Transforma o esquisito em familiar, o anormal em diferente. Combate o estigma e transmite esperança. Mostra o que pode ser feito e como podemos contribuir para que todos possam ter uma vida plena. Transforma o problema de alguns numa exigência perante a sociedade. Que é como quem diz, perante todos nós, e cada um de nós.

Peço-lhe, ainda, que acrescente à literacia uma organização dos recursos disponíveis que contemple as lacunas existentes, assente em modelos flexíveis, aproveitando os exemplos de boas práticas nacionais e internacionais, que a sociedade exija aos seus decisores e responsáveis a nível local, regional, nacional. O Habilitar mostra que entre nós também é possível, e que podemos fazê-lo, de forma construtiva e concreta.

Que é como quem diz, Habilita-nos.

Tiago Santos, Psiquiatra
Assessor do Programa Nacional para a Saúde Mental

 

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