paishabilitar/ Agosto 20, 2020/ Uncategorized

Olhos no futuro

Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro

Perguntas se me preocupa o futuro da tua irmã. Respondo que não penso muito nisso. Ou tento não pensar. Que não me leva a lado nenhum. Pergunto- te o que te intriga, prevês um futuro sem oportunidades. Digo-te que os meus medos não são distintos dos que tenho contigo ou com o teu irmão. Imediatamente contestas, que o teu irmão vai ter um futuro tranquilo. Que é tudo tão fácil para ele. Chamo-te à razão. Sabes que não é garante. Retomo o essencial. Preocupa-me que sejam felizes. Que a vida vos sorria. 

Por frases soltas e conversas alheias, sei que te angustia o futuro. O futuro sem os teus pais. Nesta idade pensas só restares tu para olhar por ela. Nem incluis o teu irmão na equação. É o bebé da casa. Não é razoável pedir-te que contes com ele. Só existes tu e não te sentes capaz. Falo-te da sorte que temos: da família numerosa e próxima do teu pai, dos poucos mas coesos da família da tua mãe. Não encontras ninguém capaz. Ou por não entenderem, ou por não aceitarem. Enumera-los. Sabes o significado de negação. Vês-me como um rochedo. Mesmo conhecendo as minhas fragilidades pela frente e pelo avesso. Sentes-te assoberbada com uma responsabilidade que assumes tua depois de minha. 

Depois de mim. Tens medo da nossa morte por nos sentires tua âncora e tua bússola. Ela tem medo da nossa morte porque “deixa de ser filha”. Pensas que é diferente. 

Conto-te como é lá fora. Apenas o que vou sabendo aqui e ali, na primeira pessoa. Dos apoios, das oportunidades, da protecção. Questionas porque não vamos, sabendo que não. Conheces a motivação. Valorizamos mais as pessoas. As nossas pessoas. As relações. Os laços criados. Os que a tua irmã cria (“estou a criar laços com ele, mãe”). 

Explico-te que é por isso que somos parte do Habilitar. Trabalhamos para que a comunidade assuma a responsabilidade. Para que a reclame. Não pode ser sentida como tua. Nem por ti, nem por ninguém. É colectiva. Partilhada. Dizes que não vês como possamos lá chegar. Que não têm quem fale por eles. Falamos nós, meu amor.

Falamos e vamos continuar a falar. Descansa. É um sonho altamente contagioso. Por transbordar valores. Não é por falarmos em incluir os nossos meninos. É sobre a inclusão. Não é por apelar à condescendência. Mas à condição humana. Não é por apontarmos a discriminação das pessoas com incapacidades, é por sublinharmos a não discriminação. Não é sobre eles. Nem sequer sobre as nossas famílias. É por sabermos que é assim que queremos ser. Todos. Em comunidade. Inteira e plena. 

Querida filha, eu podia escolher trabalhar exaustivamente até ao fim dos meus dias para tentar assegurar um sustento à tua irmã. Que não vos pesasse ou atrapalhasse o futuro. Mas abandonar-vos-ia em vida. Podia escolher trabalhar ininterruptamente com a tua irmã para maximizar o seu potencial. Mas perder-vos-ia pelo caminho. Aos três. Escolho, antes, investir nesta cruzada. Que só pode ser bem-sucedida. Trabalhar com pessoas, por pessoas, para pessoas. Há de mostrar-se tão óbvio para todos quanto o é para nós. Essencial. |

Associação Pais e Amigos Habilitar

Share this Post