paishabilitar/ Setembro 28, 2020/ Uncategorized

Tinhas razão… Sou diferente!

Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro

Olá, eu sou o Olávio! Nem sempre foi fácil para mim apresentar-me… Tive de treinar muito! Tenho 10 anos e uma história para vos contar… Nasci 18 meses depois do Hélder, meu irmão… Dei um enorme desgosto à minha mãe, que sempre quis amamentar (como ao Hélder), mas o (con)tacto sufocava-me… Sempre disseram que somos “completamente diferentes”, mas ainda assim cresci sob o olhar preocupado dos meus pais, que inevitavelmente nos comparavam. Lá no fundo, sabiam que era injusto fazê-lo, mas cada pequeno detalhe em comum ajudava-os a afastar a ideia do Autismo…

Sempre gostei do silêncio, da solidão e nunca prestei muita atenção ao que se passa à minha volta. Mas, quando fiz 2 anos, os meus pais souberam que tinham de fazer alguma coisa… A minha mãe chorava de cada vez que eu ecoava pela casa as palavras que ouvia; não compreendia porque nunca a olhava nos olhos, não entendia a minha obsessão por legos e muito menos a fuga deliberada a toda e qualquer demonstração de afeto. Eu também não a compreendia e ambos sofríamos, cada um à sua maneira. Ela quis procurar ajuda. Felizmente o diagnóstico não surgiu logo, mas ela sabia que seria apenas uma questão de tempo. 

Sempre com ajuda, fui crescendo e limando, aos poucos, todas aquelas que mais tarde percebi serem as arestas que tanto me afastavam da minha mãe e do resto da família. Com a equipa, aprendi a conhecer-me, a comunicar, a criar as minhas rotinas… Descobri que não há nada que não consiga fazer! Só tenho de treinar bem com antecedência, porque não sei improvisar e facilmente bloqueio. Mas todos temos defeitos, e estes são os meus. (Nisso, não sou diferente!)

Temos treinado muito e os resultados estão à vista: a minha mãe está orgulhosa dos meus progressos! Já não quer que eu seja um Hélder, porque, como disse, sou o Olávio. O meu rótulo já não a atormenta, visto que o meu “diferente” de agora é bem mais funcional, permitindo harmonia familiar. 

A verdade é que, sem aquele pedido de ajuda e esta equipa que há 8 anos luta connosco, eu não seria mais do que uma sombra perdida a sofrer em silêncio no seio de uma família destruída. Estou imensamente grato por nunca terem desistido de mim e por não ter sido tarde demais. 

Sei que novos e grandes desafios se adivinham lá no horizonte. Tenho ainda muito por descobrir e ainda mais para treinar, mas sinto-me como uma gaivota a aprender a voar, em busca de um futuro cada vez mais autónomo… E continuaremos a lutar para que voe bem alto… |

Inês Rosinha
Médica do Centro Hospitalar do Baixo Vouga

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