paishabilitar/ Fevereiro 11, 2020/ Uncategorized
Desmistificar e compreender a PHDA… Passos para um mundo melhor
Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro
É inegável a exigência crescente da nossa sociedade: é o alongar da escolaridade obrigatória, a maior complexidade dos conteúdos curriculares, a demanda de maior diferenciação para o sucesso profissional. Perante tais imperativos, tem sobressaído cada vez mais um padrão comportamental de grande heterogeneidade fenotípica, mas com robustos alicerces genético e neurobiológico. A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento que envolve disfunção de regiões cerebrais específicas (para os mais curiosos: córtex pré-frontal e suas conexões com os núcleos da base e cerebelo), condicionando défices ao nível das funções executivas, atenção sustentada, controlo inibitório e resistência à distração. São crianças e jovens difíceis de motivar, cuja atenção mais facilmente reside em estímulos irrelevantes do meio ou atividades de recompensa imediata. Os seus pensamentos são fugazes, voando livremente como gaivotas, ora no mar, ora na terra… e assim se esquecem compromissos, se atropelam conversas e se deixam incompletas tantas tarefas. É difícil viver assim… É como ter miopia grave,ver o mundo distorcido, sem uns óculos que permitam apreciar os detalhes da vida… é agir antes de pensar, não prever consequências e sofrê-las enquanto prisioneiro de si mesmo.
Muitas pessoas continuam a apontar o dedo e culpam o fracasso moral, as competências parentais, o excesso de televisão/açúcar ou as alergias alimentares. Fazê-lo é ser avestruz e enterrar a cabeça na areia! É ignorar os gritos de quem sofre em silêncio… de quem não se reconhece em si e não se identifica com terceiros. Não se trata de um problema de educação, um rótulo para crianças difíceis, pais menos competentes ou uma invenção recente. Trata-se sim de uma patologia crónica, com impacto significativo, mas para a qual existem terapêuticas eficazes.
Conheci a Miriam na minha aldeia. Uma menina de 12 anos, reguila, faladora, cujo maior sonho era ser dentista. Aluna exemplar até ao 3.º ano de escolaridade, quando o seu desempenho decaiu substancialmente, quase tanto como a sua autoestima. Vivia apenas com a mãe e não conheceu o pai (“Está preso por ter feito as escolhas erradas”, dizia a mãe). Este percurso académico foi atribuído à PHDA. Nada disto chocou a mãe. Confiou. Sentia, sabendo pouco, que não havia culpas ou preguiças, apenas sonhos e uma cabeça que vagueava. Hoje, a Miriam mantém-se medicada, frequenta o 9.º ano, é a melhor aluna da turma e o seu sonho está cada vez mais próximo!
Estas crianças/jovens merecem uma oportunidade! Não podemos desperdiçar o seu potencial e alegar que é “falta de força de vontade” ou que a família é disfuncional, quando sabemos que, em muitos casos, é uma consequência, e não causa. Já estivemos mais longe, mas o caminho ainda é árduo. A PHDA é uma patologia que se tem que explicar tanto! É como se estivéssemos a forçar pais e crianças a algo que inventámos e que afinal é das perturbações do neurodesenvolvimento com melhor prognóstico!
Passem a palavra!
Inês Rosinha
Médica do Centro Hospitalar do Baixo Vouga