paishabilitar/ Novembro 21, 2019/ Diário de Aveiro
Eu sei, fiz com ajuda!
Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro
O meu nome é X, ou Y, ou Z (aqui não digo o meu nome). Durante muito tempo chamei-me NEE.
Estou a acabar a escolaridade obrigatória e ainda sei pouco sobre o meu futuro. Mas talvez o meu curto passado me permita deixar uma mensagem.
Tenho um longo percurso em consultas de Desenvolvimento, em Terapias e em medidas educativas. Quando tinha cinco anos um médico fez-me o diagnóstico de DAMP. Não vinha nas classificações conhecidas, mas significava que tinha alterações na capacidade de atenção, no controlo motor e na perceção visual. Além de DAMP, tinha ainda uma Perturbação da Fala, porque também esta tem a ver com o controlo motor, é um processo mecânico da produção de sons. Hoje percebo estas designações que os meus pais felizmente compreenderam mais cedo. Mas enquanto criança, na escola, este rapaz com DAMP e com Perturbação da Fala era uma personagem que hoje eu consigo descrever. Uma personagem para quem a escola foi árdua, dentro e fora da sala.
A dificuldade em estar atento era superior a mim e difícil de entender pelos meus professores. Estava sempre a ser acordado pelo meu próprio nome, retirado dos lugares por onde o meu pensamento vagueava. Nessas alturas sentia uma enorme vergonha e pensava que teria bastado um olhar ou um toque suave no ombro. Eu “acordaria” na mesma.
A perceção visual alterada não quer dizer que se vê mal, mas sim que se decifra mal a imagem. Na minha cabeça, a imagem era diferente. Como a alteração do controlo motor me dificultava a escrita, o meu desempenho também aí era inferior.
Ao juntar a falta de atenção, à dificuldade na perceção visual e à alteração do controlo motor, cometia verdadeiros malabarismos ao copiar do quadro. Na verdade, eu era um malabarista falhado, porque nada ficava bem. Tive professores discretos, e outros nem tanto. Recordo os menos discretos porque a dor é mais forte para a memória. Passei muitos fins de tarde e férias a fazer cópias. Todos insistiam no manuscrito perfeito, quando afinal eu sabia ler e escrever, e aquele esforço era para mim inútil, atrasava-me no resto e reduzia o meu lazer. Mas os meus pais insistiam e multiplicavam as tarefas que a minha cabecita infantil achavam serem tantas. Queriam ajudar-me. E ajudaram muito. Nos meus cadernos não faltava a frase “fez com ajuda” repetida vezes sem conta. Como se eu não percebesse. Mas sabem, não me admira que todos achassem que eu não percebia! Porque eu era estranho. Falava mal, tinha aquele apelido NEE, que vigorou tantos anos, era desajeitado, na educação física fazia tudo ao contrário, calçado numas sapatilhas de velcro porque demorei anos a apertar os atacadores (eu não sabia que primeiro tinha que perceber os movimentos, e não repetir vezes sem conta o mesmo erro!).
Não me admiro nada que pensassem que eu não percebia… e desculpo-lhes as vezes em que me gozaram ou me dirigiram olhares condescendentes. E as vezes em que escreveram “fez com ajuda”.
Ainda hoje me ocorre que poucos percebiam que os NEEs eram todos diferentes… sei que hoje já não se diz “NEE” mas os nossos problemas permanecem…
Associação Pais e Amigos Habilitar