Afinal não era COVID, talvez seja autismo
Crónicas inclusivas: Uma parceria Pais Habilitar e Diário de Aveiro
Estou numa sala de Urgência. O meu pequeno tosse e deve ser COVID. Porque uma criança que tosse tem COVID. Estou num gabinete de consulta. O meu pequeno não fala e deve ter autismo. Porque uma criança diferente tem autismo…
Sou mãe de um menino de dois anos e meio. Sei que é diferente e não posso ignorar o que me dizem. No infantário não fala, brinca sozinho com um único carrinho. Há meses que ouço os avisos, da educadora, de tantas mães que opinam. Não devo ficar parada, eu sei. Tenho uma consulta pedida mas não sei se demora. E o tempo é precioso.
Penso isto cada vez que o chamo e não reage. Sei que me ouve, mas talvez não goste da minha voz, nem das dos outros. Reagia se o carrinho falasse. Marco uma consulta com alguém de referência. E o meu pequeno não deixa dúvidas. Tem uma perturbação do espectro do autismo, mas parece não ser grave. Pego no pequeno, no carrinho e no autismo e vamos todos para a nossa casa do silêncio. Não sei que fazer com nenhum deles, mas trouxe uma lista de instruções e de locais a procurar.
Recebo a data da consulta pedida há meses. Não sei se o levo. Não sei se aguentamos outra sala de espera com crianças diferentes que devem ser autistas. Passaram dois meses da primeira sentença. Parece que viemos a um recurso. Ainda nem agendei terapias porque esta pandemia trocou tantas agendas. E lá estamos de novo para ouvir sem avançar, como se o diagnóstico fosse meio caminho andado. Queria poder levar o pai que está longe, mas nem poderia entrar.
O meu pequeno entrou como sempre, de olhar perdido, e saiu como nunca, de olhar zangado. O médico teve mais dúvidas, porque nem tudo batia certo. Sim, podia ser autismo, mas podia ser muita coisa. Não fala e não percebe, mas olhou duas vezes com brilho nos olhos. E olhou para mim quando se sentiu inseguro. Pediu-me ajuda com o olhar. E durante uma hora vi o meu pequeno vestir tantos disfarces. E o médico disse:
“Não sei o diagnóstico. Só lhe posso mostrar a lista dos problemas que vejo. Também não sei se hoje importa o diagnóstico. Preocupa-me o que não faz e o que pode fazer. E é urgente um plano feito à medida… como uma roupa, entende, feita à medida…”.